Cumuruxatiba - como não viajar de carro

Planejei a viagem pra essa cidadezinha do sul da Bahia com todo o carinho e nos mínimos detalhes (pra variar). Mas, decididamente, a ida passou longe dos meus planos. Pudera, fiz tudo errado desde o começo. Primeira besteira: saí de casa na 4ª feira, ressaca de carnaval, às 9:30. Além do trânsito, peguei toda a chuva que o Tempo Agora previa. Segunda besteira: parei antes da “fronteira” para almoçar na casa dos meus primos, em Guriri. Não lembrava que andaria mais uns 30Km só pela boquinha livre e meses de fofocas atrasadas. Foi ali que o mundo desabou. Como Noé não apareceu, esperei São Pedro dar uma trégua e parti com o som alto ligado. Cantei feliz da vida meu set list que ia do rock do Linkin Park à Bossa Nova do João Gilberto.


Como alegria de pobre dura pouco, percebi que o céu resmungava. Em minutos, a tempestade chegou. Ou melhor, eu cheguei até a tempestade porque tive a impressão de ter passado por uma cortina de água. E sozinha, pra piorar tudo. Baixei o som e aí começou o inferno. Dirigi um bom trecho quase às cegas, sem enxergar as pálidas faixas amarelas pintadas naquele queijo que alguém tem o desplante de chamar de asfalto.


Com medo de virar estatística de final de feriadão, resolvi seguir um ônibus numa distância bem segura. E assim fui guiada por quilômetros, um pouco menos apreensiva, até que o cata-corno entrou numa cidadezinha. Pronto. Estava por minha conta e risco. Uma vida depois, quando finalmente cheguei a Teixeiras de Freitas, me atrapalhei e entrei no lugar errado. O relógio marcava umas 16:30h. Eu já era para estar na Pousada, descansando numa caminha macia e quente! Mas me vi pedindo informação num boteco copo sujo. Quase parei pra tomar uma breja e relaxar um pouco.


- Como faço pra chegar em Cumuruxatiba?


- Olhe, mê dê uma carona até pertu di Prado qui eu lhi dígu aôndi é. Eu moro pros ladu di lá – pediu uma senhora que disse trabalhar de diarista.


- Então, venha! – respondi.


Assim que ela entrou, perguntou com os olhos esbugalhados se eu ia MESMO pegar SOZINHA aquela estrada PERIGOSA pra Cumuru à noite. Fiquei ainda mais apreensiva. Antes de sair, apontou a casa onde morava e convidou simpática:


- Na volta, parem pa tomá um cafezinhu!


Confesso que pensei em levar a senhorinha à força comigo só pra ter companhia até a Pousada. A chuva havia diminuído. Já em Prado, muitos quilômetros depois, parei num posto pra perguntar ao frentista onde raios ficava a entrada pra Cumuru.


- Cê vai sozinha pra lá? – perguntou preocupado.


- Vou...


Momento de apreensão. Minha e dele.


- Bem, continui nesta pista e siga a plaquinha pra Cumuruxatiba. Depois, andi divagar purque a entrada fica no meiu du matu.


- Brigada...


- E moça... fechi os vidrus.


Não agradeci o moça porque não estava mais apreensiva. Estava apavorada.


O mais impressionante é que o relógio faltava pouco para às 18h e já parecia noite alta! Eu demorei incríveis 8 horas e meia para chegar ali. P-u-t-a-q-u-e-p-a-r-i-u!


Após rodar mais um pouco, passei direto pela placa. Retornei. Claro que eu tirei uma foto do lugar quando vim embora. Agora, imagine a minha cara quando vi este lugar emataiado. Parecia uma clareira de desenho animado, que abre quando alguém passa, e fecha sozinha depois.


Assim que entrei, um caminhão gigantesco ia saindo. Não tive dúvidas, abri rápido o vidro e gritei “moçooo, mooooçoooo” e meti a mão na buzina. Ele parou.


- Moço! Esta é MESMO a estrada pra Cumuru?


- É sim... tá mei rúim... mais escurregadia. Tem um monti de entradas prus caminhão di eucaliptu, mas cê podi sigui retu. Daí uns 16km, tem um barzinhu. Passa por eli, à direita, e andi mais uns 16km. Aí, prontu. Chegô em Cumuru.


- Isso tudo???


- E féchi o vidru. Você tá sozinha???


- Não! Tô com Deus! – respondi, partindo com o carro.


Àquela altura, conseguia até imaginar o frentista, ou o caminhoneiro passando um rádio, avisando a bandidos que uma trouxa num corsinha prata estava indo naquela direção.


Marquei na quilometragem. A estrada era muito pior do que eu esperava. Além de deslizar e sair de muitos buracos, eu me sentia dirigindo num reco-reco, com os dentes batendo uns nos outros. 32 quilômetros naquele inferno. A viagem tinha, REALMENTE, que valer MUITO a pena!


Foi aí que bateu a paranóia. Mato de um lado, mato de outro, mato na frente, mato atrás. Só mato! Só mato! E nada de chegar! Comecei a ficar paranóica. Parecia que ia ver uma assombração, tipo as que pedem carona, mas que, na verdade, estão mortas e não sabem, saca? Ah, vai dizer que nunca ouviu falar disso? Depois pensei em lobisomens. Em ETs. Na Samara. No garotinho de O Grito. Na mocinha do O Exorcista. Na Bruxa de Blair. No Pedro de Lara. A galeria era enorme e sinistra. Virei o retrovisor pra cima, com medo de ver algo no banco de trás. Ridícula, sei disso. A compilação dos filmes de terror só parou quando olhei pro relógio: quase 19h.


- Calma, ainda tá cedo. Não é de madrugada. Calma! – falei sozinha e comecei a rezar. Só aí a piração acabou.


Séculos depois, cheguei ao tal boteco. Apontei para a estrada e perguntei:


- Cumuru?


- Sim! Haja costela, heim!


- Obrigada – agradeci rindo.


Quando já estava acostumada com o caminho, a chuva aumentou e vieram as pontes capengas de madeira. Só pra quebrar a monotonia. Tentei ser racional. Se por ali passavam caminhões, não seria meu carro que ia cair, né? E, se caísse, ninguém ia me achar tão cedo! Ahhhhh!!! Com dificuldade, afastei o pensamento negativo e pensei nos incríveis olhos azuis que me esperavam.


Quilômetros depois, quicando na direção, finalmente a vila apareceu na minha frente. Cinza e vazia. Quando vi a Pousada, quase chorei de emoção!


No outro dia, São Pedro não colaborou muito, mas tudo bem. Cumuru, como os nativos a chamam carinhosamente (e eu também), se revelou bucólica e charmosa. É uma Vila, no melhor sentido da palavra. Um lugar para conhecer a dois e esquecer da vida. A viagem realmente valeu mais a pena do que esperava. Adorei. Tudo.



Ps. Escrevi o "baianês" para ser divertido, porque adoro o sotaque. Assim como excrevo para falar dox cariocax.

2 comentários:

Kakaya disse...

Muito corajosaaa!
Medo do Pedro de lara!kkkkkkk!

Dedinhos Nervosos disse...

Karlinha,
O negócio foi feio, viu? Pior era pensar que deveria ter chegado umas 4 ou 5 horas antes!

Pedro de Lara-ra-lá! hahah