6º sentido

Eu sempre paro o carro no mesmo lugar quando vou pra agência. Displicentemente longe da calçada – os meninos falam que meu corsinha ano 20 é uma guarita – e sob uma frondosa árvore. Mas nessa 2ª feira, quando ia estacionar, aquela árvore que sempre protegeu meu carro do sol me pareceu ameaçadora. Na mesma hora pensei “já tá chovendo há tanto tempo... vai que acontece alguma coisa e esse troço cai?”. Dei ré e parei mais distante. Fiz isso também na terça e quarta. Ainda bem, porque ontem na hora em que estava indo embora, vi um objeto não identificado entre as rodas dianteiras. Era um pedaço considerável de galho que tinha se soltado e, pela posição, deve ter passado a um centímetro do capô. E não é exagero, já que o galho se partiu em 2 e um dos pedaços estava embaixo da placa, exatamente. Isso foi um puxão de orelha para confiar sempre na minha intuição, que é fortíssima, mas às vezes ignorada. Eu acredito que quanto mais as pessoas ficam abertas a ela, mais ela se desenvolve. Obrigada, Meu Deus.

Na Natureza Selvagem



Temos um objetivo e fechamos os olhos para todos os sinais que aparecem pelo caminho. Deixamos a determinação se transformar em obsessão. Ninguém, nem nada, possui tanto valor quanto concluir a jornada que traçamos. Não percebemos que alguns objetivos servem apenas para nos colocar em estradas que vão desembocar em outros nortes. Lugares onde devemos chegar, onde somos esperados. Mas nem sempre a arrogância em terminar o que começamos nos deixa enxergar os atalhos, curvas e retornos que imploram a serem seguidos. Quantas vezes o fim chega com o final feliz que procuramos?

Na Natureza Selvagem é baseado numa conhecida e emocionante história real. Brilhantemente dirigido pelo Sean Pen e estrelado por Emile Hirsch. Imperdível.

Quer saber de uma coisa?

Tem gente que ama fazer brincadeirinhas sem graça. Uma tiradinha aqui, outra tiradinha ali, só pra encher o saco. Não curto essas provocaçõezinhas porque não faço com ninguém. Algumas pessoas revertem a situação e deixam o engraçadinho em maus lençóis. Eu não consigo. Quando me sinto desrespeitada por piadinhas, minha vista escurece e quase sempre meu raciocínio é cortado. Não quero reverter a situação. Só quero mandar a pessoa tomar no cu. E mando. Bem fina.

Vovó Zona

Com mais ou menos 1.50 de altura, 80 anos, pele branca, bochechuda, grandes olhos castanhos e cabelos curtos prateados encaracolados, Dona Linda é um sucesso por onde passa. Muito fofa e prestativa, minha avó adora mimar, conversar e tomar conta das pessoas, mesmo de estranhos. Mas não se metam a besta com ela. Dia desses, ela estava no supermercado com 2 latinhas de leite condensado para um pudim, quando percebeu que as filas estavam gigantes, inclusive a do caixa para idosos, deficientes e grávidas. Só que essa última tinha gente de todo o tipo, menos a quem se destinava. Então, sorridente e com seus passinhos curtos, ela foi pedindo licença e ficou do lado esperando a vez de ser chamada pela moça do caixa, quando uma adolescente falou bem alto.

- Ei, a fila é lá atrás.
- Minha filha, você sabe ler?
- Sei.
- Então, leia aquela plaquinha ali, ó. – disse apontando para o local onde informava quem tinha a preferência do caixa.

A menina ficou toda sem graça, muita gente riu alto e vovó tomou seu lugar de direito. Fiquei ainda mais orgulhosa dela. Chupa, garota!

Lambada, a dança proibida lá em casa.



Mesmo com o nome péssimo, os dançarinos feios e as roupinhas cafonérrimas que o Kaoma se apresentava, eu adorava dançar lambada e gastar a sola do sapato rodopiando pra lá e pra cá, mas sem a sainha curta rodada que mostrava a calcinha e mantendo uma distânciazinha que impedia o esfrega-esfrega fatal. Coisa de centímetros. Acredite que isso é possível e não compromete a performance em nada. Lambadeira sim, mas com dignidade.

Aí, um belo dia uma amiga me ligou pra dizer que tinha arrumado um professor de lambada que ia dar as aulas em casa e pediu pra ser aqui, onde tem um bom espaço para todas as voltinhas necessárias.
- Flávia, quem me dera. Não sabe como meu avô é? Se meu vovô sonhar, só sonhar, Flávia, que eu danço isso, ele me mata! Tá louca?
- Mas seu avô chega tarde todo dia. Ele não vai ver.
- É? Mas se algo acontecer e ele chegar antes? Bem na hora em que eu estiver dançando? Nem quero pensar! Não. Aqui, não.
- Droga. Tem que ser aqui em casa, então. Pior que meu pai também não gosta. Espero que ele nunca esteja em casa. Ainda bem que ele chega tarde direto.

Mesmo as aulas não sendo na minha casa, eu fiz parte da turma de 6 amigas que ficaram craques em todos os passinhos. Quer dizer, em quase todos. A parte que o cara me jogava pra lá, depois me puxava e que eu tinha que ir e voltar fazendo movimentos circulares com a cabeça pra jogar os cabelos como se fossem as hélices de um helicóptero, não dava certo de jeito algum. É muita coisa pra controlar de uma só vez. Minha coordenação motora não permite. Depois de várias cabeçadas e um quase ataque de labirintite, o professor desistiu de mim. Saco. Mas fora isso, eu até que dançava direitinho.

Pagamos 15 aulas e sempre era uma festa quando estávamos lá, dançando. Eu ainda acho o ritmo contagiante e delicioso. Claro que não é música pra se ouvir. É música pra se dançar. E pra quem gosta de dançar junto. Só sei que falava tanto nas aulas que, no último dia, mamãe e vovó resolveram ir conferir como a bambina delas estava se saindo. Mas foi preciso uma operação de guerra. Vovô tinha chegado mais cedo aquele dia e estava azedo. Inventamos uma história de que tinha uma apresentação no meu colégio e elas tinham que ir. E lá fomos nós pra casa da minha amiga. Antes de sair, ainda encontramos um colega de vovô que veio trazer umas notas da TEXACO. Cumprimentamos rapidamente e saímos apressadas e sorridentes.

Essa noite a mãe da Flávia tinha feito um lanche especial porque todas as outras mães também tinham aparecido para o último dia. O professor estava sorridente e a aula durou mais tempo do que o combinado. Em meio a tantas conversas e gargalhadas, o comentário geral era que nenhum dos pais sabia que as filhas estavam ali, nem o próprio dono da casa, que nunca tinha hora pra chegar do trabalho. Depois de uns comes e bebes, o professor tirou as mães para dançar. Até vovó deu umas voltinhas. Então chegou o momento da dona da casa arrasar. Na hora em que a mãe da Flávia estava no meio da sala, meio encaixada no cara, com a cabeça virada para trás e quase encostada no chão, no rimo do "thanran, thanran, thanran, tharan", a porta se abre e aparece o marido. As mudanças na cara foram impressionantes. Parece que ele ia fala “boa noite”, e mudou pra “Que porra é essa?” e acabou num “Eu mato alguém!” Não sei como o professor não largou ela no chão. E pra piorar ainda mais a situação, o pai da Flávia era o homem que tinha ido à minha casa entregar as notas da Texaco para o meu avô. Só que estava tão chocado com a cena, que nem me viu direito. Vovó balbuciou um "Meu Deus". Vi que a outra porta estava aberta para entrar mais vento e nem quis saber se teria que apartar alguma briga. Puxei as duas e saímos de fininho pelos fundos. Nem quero imaginar se isso tivesse acontecido aqui no meu quintal com meu avô. Era divórcio na certa e retirada do testamento. Tá certo, vá lá. Não tem testamente, mas se tivesse, ele tiraria.

Depois de umas horas, a Flávia ligou falando que o bicho tinha pegado lá e que num determinado momento, ele comentou:
- E aquelas 3 que saíram por trás? Quem eram? Eu acho que conheço.

Só sei que não fomos descobertas por um triz e, principalmente, porque a mãe da Flávia roubou todas as atenções. Graças a Deus. Depois de um tempo, fui a Arraial D´Ajuda e coloquei todo o meu conhecimento em prática. Não fiz feio com nenhum dos nativos que me tirou pra dançar. Ano que vem eu quero fazer dança de salão. Os argentinos que se cuidem.

+ um pouquinho de Lambada

Ilhada na ilha de Vitória

Domingo último eu passei um tremendo sufoco em Vitória. Fui visitar o meu amigo Fernando, que virou carioca, e saí da casa dele debaixo de uma chuva torrencial que inundou avenidas, alagou bairros e me deixou apavorada ao perceber que não conseguiria voltar pra casa tão cedo porque meu corsinha sedan infelizmente não existe na versão anfíbio. Depois de cruzar vários pontos críticos, atravessar canteiros e quase ser atropelada por um caminhão caindo aos pedaços, consegui chegar muito perto da 3ª Ponte. O problema é que esses poucos metros tinham virado, praticamente, um mar. Via a hora de Noé passar por ali oferecendo carona. O jeito foi achar um lugar seguro, desligar o carro e esperar a água baixar. Já eram quase 22h quando me toquei que uma amiga morava na área e fiquei toda contentinha. Era só ligar pra ela, deixar o carro onde estava e dormir por lá. Uma idéia genial! Liguei. Chamou, chamou e nada, nada. Ninguém atendia o bendito telefone. Depois de muita luta, ela acabou me ligando no celular.
- Gisele! Graças a Deus! Tô aqui pertinho da sua casa, ilhada. E essa água não vai descer tão cedo. Posso dormir aí?
- Anna, pode. Se eu conseguir chegar em casa.
- Não vai me dizer que você está na rua?
- Tô aqui perto do Boulevard.
- PQP! Então volta no mesmo pé porque você não vai conseguir chegar em casa nunca. O negócio tá feio!
Ela voltou pra casa da sogra e eu fiquei arrasada com a situação. Meia-noite era pouco pra eu conseguir chegar em casa. Aí comecei a conversar com um casal muito simpático que estava do meu lado. Eram engraçados e isso ajudou o tempo passar. Eles estavam tendo um briga divertida porque ela não queria ter saído de casa aquele dia e ele perturbou tanto as idéias dela, que ela acabou indo. Depois de muito tempo sentados contando causos, eu lembrei de perguntar os nomes deles. Não acreditei quando ouvi a resposta dele à minha pergunta. Só podia ser um aviso. Na mesma hora eu falei:
- Gente, vamos tentar voltar e pegar a Av. Leitão da Silva? Eu acho que a água daquele cruzamento já baixou.
- Será? Tava meio feio.
- Mas se tiver baixado mais, a gente atravessa e pega a Beira Mar. É só um pedacinho!
Depois de muita ponderação, resolvemos ir. Realmente não era mais um Oceano Atlântico. Já tava mais pro Amazonas, e sem a pororoca. Eles pararam o carro do meu lado e achamos melhor esperar alguma cobaia atravessar primeiro. E não é que um Voyage conseguiu chegar ao semáforo? Passamos também e paramos do outro lado. Chamei um guardinha que apitava histericamente.
- Ei! Ei! Depois desse pedaço tem mais alagamentos?
- Não. SE a moça (adorei o moça) conseguir passar, vai ser fácil chegar à 3ª Ponte. Mas SE conseguir. A moça é que decide.
Fiquei insegura. A tal parte alagada me pareceu muito mais ameaçadora depois de tantos SÉS que o tarado do apito falou. Pensei que SE o carro parasse, ia morrer numa grana na oficina, que nem acabei de pagar o último serviço. Eu ainda estava com cara de interrogação quando ouvi a buzina do carro do casal.
Ele: E aí, vão?
Eu: ...
Ele: Vamos. A gente vai conseguir.
Eu: Vamos...
Ele: Quem vai na frente?
Eu: Vocês, claro!
Graça riu.
Ele (rindo): E por que?
Eu: 1º que eu tô num Corsinha 1.0 e vocês estão num Corolla. 2º que com esse nome, você tem que ir é na frente mesmo!
Eles gargalharam e foram. Quando mergulharam no alagado eu vi no que ia me meter. O Corolla tinha água pelo pára-choque. Engatei a 1ª, acreditando que o nome do cara era um sinal de que tudo ia dar certo e fui, acelerando. Quase imediatamente a água fez a luz do farol ficar mais fraca. No meio do caminho o carro engasgou 1 vez, 2 vezes; eu acelerei mais, rezando alto, agarrada ao volante:
- Me ajuda, Senhor! Me ajuda, Senhor! Me ajuda, Senhor! – até conseguir sair, graças a Deus.
Foram os 4 ou 5 metros mais longos de toda a minha existência. Mais à frente, vi o Corolla parado e o casal sorridente que torceu para o meu carro não morrer afogado, literalmente. Me despedi agradecendo a consideração e desejando uma boa volta para casa.
- Tchau, Anna. Vai com Deus.
- Tchau, vocês também!!!
E tenho muito o que agradecer a Ele por ter colocado aqueles 2 no meu caminho. Graça e Moisés. Moisés. Como não ia conseguir atravessar aquele mar com um sujeito chamado Moisés indo na frente? E tem gente que não acredita em sinal.

Psicologia infantil


Criança é uma delícia. Não sou de ficar apertando bochechas por aí, mas curto uma pessoinha esperta e bem educada. As pestinhas eu passo. E com um bom passa-fora.

Copa do Mundo de 94. Asfaltos pintados, pessoas alegres e eu tendo que estacionar meu carro a quilômetros da casa de uma amiga para não atrapalhar os desenhos que os nativos estavam fazendo nas ruas. Ao abrir a porta, me deparei com uma gangue mirim de 6 pestinhas. Deviam ter idades entre 7 e 9 anos. A menorzinha logo tomou a dianteira:
- Você não vai passar! Você não vai passar! – com as mãozinhas na cintura e a cabeça de lado.
Eu parei, surpresa com a singela abordagem.
- Éééé, a rua tá pintada! Você não vai passar! – a gordinha acrescentou.
Eu olhei pra Gelisa, do meu lado. Ela riu, sabendo da minha enorme paciência com tipinhos malcriados.

- Se você passar, ó (fechou uma mão e bateu com a outra em cima, fazendo o delicado gesto de tá f*) – falou novamente a menorzinha.
Meu queixo caiu. Não acreditava no que estava vendo pouco acima da minha linha da cintura. Os coleguinhas rolavam de rir. Como só gosto de criança mal educada com uma maçã na boca saída do forno, resolvi acabar com a farra.
- Sua mãe sabe que você faz isso na rua? – eu falei, tranqüilamente.
Como um milagre, as risadas acabaram. Ela abaixou a cabeça. Um dos garotos saiu de fininho.
- SABE, GAROTA? – falei alto e ela teve um sobressalto. Os outros estavam com os olhos arregalados.

Ela fez não com a cabeça, sem olhar pra mim, mirando os pés.
- Eu não falei nada! – desertou a gordinha, ao sair correndo.
- Pois eu vou à casa de vocês agora e eu vou contar pra cada mãe! Seus mal-educados! – falei, enquanto batia a porta do carro e avançava pra cima deles.
Os insuportaveizinhos saíram em disparada. Acho que eles estão correndo até agora. Pestes.

Pega-pega



Para começar bem a semana, nada melhor do que ver uma brincadeira de pega-pega. Vale a pena ver.