Chuva

Uma das evidências mais fortes que deixamos a infância de lado é perder o gosto de pegar, andar, dançar, cantar na chuva. Aquela chuvinha gostosa que nos acompanhava na volta do colégio, no quintal de casa ou nas brincadeiras com os colegas da rua. Eu adorava levantar bem o rosto, entreabrir os olhos e tentar distinguir as gotinhas que iam cair diretamente sobre mim. Mesmo com a duração de um milésimo de segundo, aquele momento parecia poético, como se estivesse em câmera lenta. Era uma delícia ficar ensopada e nem ligar se a roupa de baixo ia marcar porque a única preocupação era ver de qual blusa ia sair mais água, quando torcida. Estranhamente a água do mar ficava mais quente e, por causa disso, era muito legal quando estava na praia e o sol dividia o céu com uma boa chuva de verão. A gente se molhava duplamente e de uma vez só.
Até uma tempestade que deixava a rua no escuro virava uma festa, quando não ia passar um programa bacana na TV, claro. Era só começar a sucessão de raios e trovões para separar algumas velas e esperar a luz ir embora. A partir daí, entrava em cena a imaginação que transformava as mãos em pássaros, coelhinhos, aranhas, cachorros e outros seres que, graças a Deus, não existem.
A chuva só não era bem-vinda quando ameaçava estragar passeios ao Parque Moscoso ou algum piquenique. Mas isso era fácil de resolver. As crianças envolvidas tinham a missão de desenhar um sol na calçada para o astro rei mandar as nuvens pro espaço. Se o passeio fosse no final de semana e o tempo estava cinzento, a gente desenhava todos os dias, por precaução. Havia também uma coisinha que eu amava fazer na chuva, e já não era mais criança: beijar. Nossa, beijar na chuva é TUDO. Acho que a saliva misturada com a chuva torna os movimentos da boca e língua mais sensuais, sei lá. Só beijando pra sentir. Mas preste atenção: tem que ser na chuva. Água do chuveiro não vale. Acaba de me ocorrer uma idéia. Se o beijo é bom, imagino então como seria um vucu-vucu enquanto São Pedro lava a casa. Ui! Aí, a gente cresce, fica mais racional, ponderado e chato. Diz que uma chuvinha é boa pra abaixar a poeira e, ao mesmo tempo, reza pra não inundar a cidade. Compra uma sombrinha pequena pra levar sempre dentro da bolsa, mesmo com um céu azul, pra não correr o risco de estragar o cabelo ou pegar um resfriado. Pelo menos o gosto pelo beijo encharcado eu ainda não perdi.

4 comentários:

Daniele C. disse...

e se eu desenhar as gotas de chuva na calçada, vai chover pra eu tomar um banho e beijar? sinto tanta falta. tá lindo o texto.

*não tenho pique pra acompanhar esse blog. rs

beijos

Thaís disse...

Ahhhhh eu adoro chuva té hoje viu!
De madrugada então eu levanto da cama abro a janela...a diferença é que hoje acendo um cigarro, ou fico pensando besteira...mas ainda amo sentir a chuva!!

Anônimo disse...

Gosto do cheiro dela...a vida é sempre tão corrida quando a gente cresce, que parece que não sobre tempo para gostar..mas basta chover para eu respirar fundo...várias vezes eu corro até a janela para sentir o cheiro dela em contato com o chão...muito bom...texto lindo...adorei. Beijos.

Anônimo disse...

Rafa Mattos

Meus olhinhos encheram de lagrimas....

eita saudade dos amassos molhados em que o frio da barriga se confundia com o frio da chuva...

muito bom...